quarta-feira, 7 de abril de 2010

Graham e as duas vidas

Martha Graham, coreógrafa americana tida por muitos autores como a principal pioneira da American Modern Dance, dizia que o bailarino tem duas mortes. A primeira delas seria a morte física, que, segundo ela, era quando o corpo não mais poderia executar os movimentos que desejava.
Graham teve uma vida intensa e longa. Criou quase duzentos balés para a Martha Graham Dance Company e viveu até os noventa e seis anos. Dançou nos palcos as danças que criou até os quase setenta anos. Depois disso, não conseguia dançar os movimentos que ela mesma criava, o que ela encarou como uma espécie de morte: o desejo de fazer algo e o corpo não mais "obedecer". Aprisionada em seu corpo, Graham enfrentou uma grande depressão ao ter que ensinar as danças que ela dançava para outras bailarinas dançarem.
Acredito que na vida do bailarino acontecem mortes diárias. Cada contusão, cada lesão, cada arranhão é uma perspectiva de morte. É a certeza do corpo. É a afirmação da carne e dos ossos: visão da arte inscrita numa moldura física, perecível e frágil.
"O movimento nunca mente" - era uma frase que Graham parafraseava de seu pai, o Dr. Graham. O movimento mente, sim. Por vezes, ocultamos as dores. As dores que têm causas psicológicas que afetam também o físico. E as dores de causas físicas que nos afetam psicologicamente, dando o parecer de que estas dores são parte de um único e só corpo, indivisível.
É tarefa difícil dançar concentrado em outra coisa: a dor aparece fisicamente e esteticamente para quem conhece o código corporal motor da ação do bailarino que se move. O bailarino camufla. Mas, nesse sentido, concordo com Graham: para quem dança e para quem lhe conhece e já lhe viu outras vezes dançando uma mesma peça, é fácil reconhecer o machucado.
A dor é, ao mesmo tempo, prenúncio da morte e sinal de vida pulsando no corpo.
É difícil não pensar que se está preso dentro de um corpo que anima. A primeira morte do bailarino, que Graham tanto reclamava, é real. Uma realidade que dói. Incongruência do tempo: quanto mais experiência se possui, melhores intérpretes nos tornamos. Entretanto, o músculo tem um prazo de validade. Pina Bauch, grande coreógrafa alemã, preferia os bailarinos mais maduros: ela sabia das infindáveis qualidades de movimentos que poderia explorar de pessoas que tinham uma maior experiência de vida.
Carpe diem.
A vida é uma só. Mas as mortes são diárias. E os dias passam rápido demais para que se possa fazer um funeral para cada uma delas... Deixe esse papel para as fotos: o retrato é uma sepultura - uma imagem de alguém que você já foi e não existe mais no segundo seguinte.
Mova-se. Minta ou omita as mazelas, mas prolongue a vida. A verdade está no movimento e na insatisfação das respostas e das situações. A inquietude do corpo é o fluxo da vida. Se tudo está muito quieto, calmo, certo e garantido demais, desconfie: talvez haja algum vulto com uma foice por perto.

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