sábado, 14 de fevereiro de 2015

Sobre opinião pública, manipulação mediática e impeachment

Acredito que o texto a seguir seja pertinente para se pensar a respeito da potência da manipulação mediática no contexto atual e a importância que os media ocupam na atualidade, como dispositivos de poder.

O texto foi extraído de: 
SODRÉ, Muniz. Antropológica do espelho: uma teoria da comunicação linear e em rede. 8a.ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013, p. 42-44.

Não é nada novo o conceito de opinião pública - produto ideológico da Revolução Francesa. Resultado totalizante das opiniões individuais da cidadania, ele se legitimava como uma espécie de substrato ético e apresentava-se como uma entidade moral e fiscalizadora dos três poderes institucionais da república. Mas só a partir dos anos 1930 no século XX é que os franceses introduzem este conceito no discurso da ciência política, dando margem ao surgimento da medida estatística do substrato coletivo, administrado por institutos de pesquisa. A disseminação dos métodos de modelagem matemática da opinião é, no entanto, um fenômeno norte-americano.
Essa ‘opinião’ é instrumento de um novo regime de visibilidade pública e, portanto, um novo tipo de controle. Tende a não ser mais do que pura imagem ou objeto inexistente: ‘[…] Na realidade, o que existe não é a ‘opinião pública’ ou mesmo ‘a opinião avaliada pelas sondagens de opinião’, mas, de fato, um novo espaço social dominado por um certo número de agentes - profissionais das sondagens, cientistas políticos, conselheiros em comunicação e marketing político, jornalistas, etc. - que utilizam tecnologias modernas como a pesquisa por sondagem, computadores, rádio, televisão, etc.; é através destas que dão existência política autônoma a uma ‘opinião pública’ e, em consequência, transformando profundamente a atividade política tal como é apresentada na televisão e pode ser vivida pelos próprios políticos’ (CHAMPAGNE, Patrick. Formar a opinião - o novo jogo politico. Petrópolis: Vozes, 1988, p.32).
Isso que vem se chamando de ‘novo’ jogo político já existe há bastante tempo.

Há mais de 70 anos, Walter Lippmann, um importante jornalista de seu tempo, em seu livro Public Opinion, desconfiava das afirmações de que os cidadãos baseiam suas decisões políticas e sociais no estudo objetivo dos fatos pertinentes. A maioria das nossas decisões se baseia no que ele chamou de ‘imagens de nossas cabeças’, isto é, percepções e preconceitos estanques. A ideia   de uma opinião pública informada decidindo questões e ações, disse ele, é, em grande parte, uma fantasia desejável; a tarefa de dirigir o país é realizada pelas elites, comenta Dizard (DIZARD, Wilson. A nova mídia - a comunicação de massa na era da informação. Zohar, 1998, p. 51-52).

Isto significa que ‘a opinião pública não existe’, conforme têm sustentado sociólogos como Pierre Bourdieu, Patrick Champagne e outros? O que quer dizer então da convicção de sérios analistas da política norte-americana de que o impeachment do presidente Bill Clinton, em virtude do escândalo sexual com uma estagiária da Casa Branca, teria sido evitado apenas pelo peso da opinião pública? É por demais complexa e obscura a trama dos acontecimentos, mas pode-se levar principalmente em consideração as afirmações de outra linha seria de analistas (dentre as quais a própria primeira-dama do país) no sentido de que a tentativa de impeachment foi de fato um quase golpe de Estado manobrado por facções direitistas. Assim como no caso do termino da guerra do Vietnã, as determinantes do resultado final ocorreram nos bastidores do poder, na forma dos velhos arcana imperii ou segredos de Estado”.

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