sábado, 16 de setembro de 2017

CENSURA EM TEMPOS DE TEMER

Este texto é de autoria de Renan Quinalha.

CENSURA MORAL À PEÇA "O EVANGELHO SEGUNDO JESUS, RAINHA DO CÉU"

Uma pessoa, chamada Virginia Bossonaro (Bolsonaro?) Rampin Paiva ajuizou uma ação de obrigação de fazer cumulada com pedido de antecipação de tutela contra a peça "O evangelho segundo Jesus, rainha do céu", que seria exibida no SESC Jundiaí.

Conforme relatório da decisão judicial, o motivo do pedido de censura: a peça iria "de encontro à dignidade cristã" por apresentar "Jesus Cristo como um [sic] transgênero", "exponto ao ridículo os símbolos como a cruz e a religiosidade que ela representa".

A fundamentação do magistrado para deferir a tutela de urgência, ou seja, antecipadamente e mesmo sem ouvir a outra parte, merece análise detida.

Primeiro, ele afirma que o limite da liberdade de expressão é dado pelas figuras religiosas e sagradas. Nesse sentido, afirma ele, em sua decisão, que "muito embora o Brasil seja um Estado Laico, não é menos verdadeiro o fato de se obstar que figuras religiosas e até mesmo sagradas sejam expostas ao ridículo, alem de ser uma peça  de indiscutível mau gosto e desrespeitosa ao extremo, inclusive".

Acrescenta ainda o juiz que permitir que uma trans encene o personagem Jesus Cristo seria uma agressão a muitas pessoas: "em se permitindo uma peça em que este HOMEM SAGRADO seja encenado com um travesti, a toda evidência, caracteriza-se ofensa a um sem número de pessoas".

Fingindo agir de modo imparcial e laico, o que fica evidente ser uma mentira por conta da linguagem adjetivada e flagrantemente religiosa, afirma ele que não está impondo sua crença a terceiros, mas impedindo um ato desrespeitoso e de mau gosto que atinge o sentimento do cidadão comum, sem explicar quem seria esse tal "cidadão comum": "não se trata aqui de imposição a uma crença e nem tampouco a uma religiosidade. Cuida-se na vedade de impedir um ato desrespeitoso e de extremo mau gosto que certamente maculará o sentimento do cidadão comum, avesso a esse estado de coisa".

A seguir, ele emite claramente sua opinião dizendo que a peça é agressiva demais: "não se pode produzir uma peça teatral de um nível tão agressivo".

Por fim, na fundamentação ainda, ele afirma que "liberdade de expressão não se confunde com agressão e falta de respeito e, malgrado a inexistência da censura prévia, não se pode admitir a exibição de uma peça com um baixíssimo nível intelectual que chega até mesmo a  invadir a existência do senso comum, que deve sempre permear por toda a sociedade".

E, na parte dispositiva, o juiz proíbe a peça de ser exibida nesta noite ou em qualquer outro dia, sob pena de multa diária e crime de desobediência: a peça é "atentatória à dignidade da fé cristã, na qual JESUS CRISTO não é uma imagem e muito menos um objeto de adoração apenas, mas sim O FILHO DE DEUS", proibo a ré de apresentar a peça prevista para o dia de hoje (15 de setembro) e também em nenhuma outra data sob pena de multa diearia de R$ 1000,00 (um mil reais) sem prejuízo da tipificação do crime de desobediência.

Ora, segundo o magistrado, ser uma pessoa trans é algo "agressivo", "ofensivo", "desrespeitoso", "expor ao ridículo", "de extremo mau gosto" e de "baixíssimo nível intelectual".

Essa decisão é, do começo ao fim, um manifesto transfóbico. Não tem outro nome. Recheada da visão moral conservadora e tacanha do juiz Luiz Antonio de Campos Júnior, a decisão exala sua opinião pessoal com uma série de adjetivos e palavras absurdas.

Agressiva, ofensiva, desrespeitosa, ridícula, de mau gosto e de baixíssimo nível intelectual, além de inconstitucional, é a decisão desse juiz.

O Brasil é o país que mais mata pessoas trans no mundo. Só em 2016, foram 144 assassinatos segundo a ANTRA. Um a cada 3 dias. A expectativa média de vida das pessoas trans é de 35 anos. Menos da metade da média brasileira, em torno de 75 anos.

Essa decisão acabou de dar uma enorme contribuição para aumentar a violência transfóbica. Trata-se de um atentado contra a dignidade e os direitos fundamentais das pessoas trans, além de violação expressa à liberdade de expressão e à liberdade artística.

Isso é mais grave do que o episódio do encerramento da mostra Queermuseu, pois não foi uma empresa privada que cancelou uma manifestação artística por ela patrocinada, foi o Poder Judiciário, que deveria assegurar direitos, que chancelou a transfobia de uma pessoa que ingressou com essa ação judicial.

É preciso dar um basta a essa escalada conservadora, é inadmissível que a patrulha moral do fundamentalismo religioso tome conta das escolas, dos teatros, das mostras de artes plásticas e demais instituições culturais. O Brasil ainda é um país laico, esse tipo de intervenção é inadmissível!

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