terça-feira, 9 de junho de 2020

VER PARA SER

O "ver", em geral, vem acompanhado do "compreender". Mas, uma vez juntos, não são inseparáveis.
Para compreender, o sujeito acostumou-se a se olhar para as coisas do mundo e enquadra-las em categorias inteligíveis, para o fácil reconhecimento.
...E os objetos que escapam da compreensão? Fica o questionamento.
O que foge do padrão desarticula as operações de sentido habituais. Novos padrões surgem para dar conta da compreensão. Novas estratégias de categorização emergem. Novos termos, novas identificações. 
E o problema? Qual é?
Na verdade, nenhum. E é exatamente onde reside o problema.
Compreensões de mundo são sempre generalistas. E generalizações são problemáticas, pois homogeneízam o que, muitas vezes, é específico - como subjetividades.
Juntar “num bolo de coisas” é uma forma de se entender o mundo. Processos de identificação são também operações cognitivas: Virginianos, sagitarianos...Flamenguistas, corintianos... Paraibanos, americanos, europeus, argentinos... Negros, amarelos... Homens, mulheres...Gays, trans, bissexuais, héteros...
Processos identificatórios têm importância, mas são generalistas e, muitas vezes, operam por binarismos ou oposições. Às vezes, desconsideram complexidades de subjetividades que não se territorializam ou que não se reconhecem em categorias distintas ou determinadas a priori.
Na liquidez pós-moderna, reconhecer e determinar identidades é, aparentemente, ir contra ao entendimento de corpo e sujeito como entidade processual, plástica e moldável, passível de transformação.
Querer entender o outro atribuindo-lhe categorias a partir do entendimento que você tem de mundo não corresponde, de fato, ao que o outro é: trata-se apenas do que o que você percebe sobre ele.
Talvez a dica para se estar melhor e menos arrogante no mundo atual seja exercitar o ver, sem querer entender. Assim, talvez - apenas talvez - possa-se olhar o outro e as coisas do mundo distante de uma maneira determinista ou através de  um foco direcionado por conceitos previamente armados. Preconceitos, mesmo.
Para ver não é imprescindível entender - pelo menos, pela via da identificação.
Para escapar da armadilha do par "visível + inteligível", o exercício do olhar convoca palavras sozinhas como "apreciar". Apreciar - algo ou alguém - pela sua especificidade: a singularidade daquilo que se observa, que é, antes de tudo, uma construção na/da sua mente.

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