EXTRAÍDO DE (LINK)
Escrito por Paulo Milhomens
01-Jul-2008
A afetividade humana enquanto individualidade(s) pressupõe um conjunto interdependente em suas práticas, espaços e ações. Cada ser é uma plenitude de processos, descobertas e possibilidades. Isso significa compreende-la por afectividades conjuntivas de um quebra-cabeça.
Um processo criativo. Uma partida de xadrez que pode levar anos para ser concluída.
Da mesma forma, a sexualidade humana não é uma verdade absoluta, tão-pouco adequadamente “fiel” a manuscritos, teses ou verdades científicas.
Nestes conturbados tempos “modernos” de “contemporaneidade”, achamos rentável a quebra de conceitos. Estabelecemos a diversidade como o óbvio nos interessantes discursos científicos existentes. Pergunto onde colocamos tantas necessidades de justificativas afirmativas sem buscá-las verdadeiramente?
Até onde a coerência de objetar uma dinâmica sócio-cultural pode configurar uma naturalidade do ser e estar, conforme a época? Ao passo que somos tão neuróticos, não podemos negar uma hipocrisia latente em exigir a criação de novos tipos sociais. Evidentemente, como preocupação inicial, perguntaria: quero a busca pelo afeto?
Evidenciar a dicotomia entre sexualidade e afetividade como processos, buscas humanas distintas é nossa meta. Há muitos fatores interessantes aí, tanto da ideia clássica do que vem a destacar intimidade ou o íntimo na história, no imaginário ocidental cristão.
Está associando numerosas passagens etnográficas, psicologizantes? Creio que sim.
Uma miríade de palavras foram escritas a respeito. Enfim, qualquer pessoa pode ser o que quiser desde que sua percepção esteja longe do “óbvio”. Talvez, longe de uma teoria cientificista pragmática. Ademais, a lógica do ser passa por sua tão esperada catarse: “Vivemos uma profunda metamorfose do vínculo social, caracterizada pela saturação da identidade e do individualismo epistemológico que lhe é expressão. A realidade do tribalismo está aí, ofuscante, para o bem e para o mal. Realidade incontornável, não limitada a uma área geográfica particular e que ainda não foi devidamente considerada, donde a premência de pensá-la (MAFFESOLI, 2007, p.17)”.
Pequenos encontros, grandes negócios (garotos e garotas de programa, travestis) em recortes urbanos. Reagrupamentos em outros meios sinalizam que o prazer simultâneo está, a cada dia, mais causticante.
Telejornais exibem misoginias, anti-semitismos, xenofobias e homofobias. As mentes protofascistas ainda reforçam o enclausuramento psíquico como proposta “adequada” de afastar o habitus improbum nesta neurose repetitiva que denominamos civilização ocidental.
Tradicionalismos repercutem sua intransigência em novos discursos: carismáticos descolados, neoyuppes e toda a sorte de modismos instantâneos. Relembrando Agenor Miranda, o Cazuza, em sua canção “O tempo não pára”, teremos um “museu de grandes novidades” como consequência de uma modernidade questionável à sua proposta incertiva, plural, democrática: “Os modos de vida colocados em ação pela modernidade nos livraria, de uma forma bastante inédita, de todos os tipos tradicionais de ordem social. Tanto em extensão, quanto em intensidade, as transformações envolvidas na modernidade são mais profundas do que a maioria das mudanças características dos períodos anteriores. No plano da extensão, elas serviram para estabelecer formas de interconexão social que cobrem o globo. Em termos de intensidade, elas alteraram algumas das características mais íntimas e pessoais de nossa existência cotidiana (GIDDENS, apud Hall, 2001, p.16)”.
Ou ainda, pela reflexão de Luiz Mott: “A crítica feminista e os estudos de gênero contrapuseram a repressão vitoriana do dever conjugal ao orgasmo múltiplo, o erotismo vaginal pelo clitoriano, a ausência de paixão pelo entusiasmo da amante liberada. Sexualidade e gênero se deram as mãos. Várias correntes do pensamento contemporâneo compartilham o mesmo approach do construcionismo social, enfatizando o papel ativo do sujeito guiado pela cultura, na estruturação da realidade social. Trata-se de uma perspectiva endogênica, em oposição ao empirismo e ao positivismo, que enfatizam a existência objetiva e realidade dos temas do inquérito científico numa perspectiva exogênica (MOTT, 2007, p.67)”.
Surge o confronto corpo-biológico e mente-sexualidade, nessa interessante ambivalência dos modos de vida. O fato é que não devemos alardear uma teoria do caos a respeito do ser através da cultura. Especulo que, ainda sob influência do século XX, temos uma necessidade de instrumentalizar as sexualidades, distante de uma lógica sensível, pouco ligada aos desejos recônditos.
O mundo oriental possui a Ars Erótica vista por Foucault (1993), com sua inclinação ao cultismo do elemento divinal, metafísico com deuses detentores de uma outra ordem psicológica, espiritualista sobre o corpo, em outro viés. O certo é que no ocidente a mecanização da sexualidade nos séculos XVIII e XIX – com a supressão da ditadura vitoriana que incriminou Oscar Wilde – tornou-se ardiloso reflexo para os primeiros positivistas europeus. Dessa forma, nas estruturas de poder e controle, o desejo é o crime.
Durante muitas décadas, ter pensado os diferentes desejos humanos como uma manifestação estruturalizada e distante da percepção complexa de suas experiências cotidianas e antigas foi algo marcadamente negativo.
Espacialização, urbanismo, exogamia, poligamia, endogamia, monogamia, pluralidade de sensações entre outros, não serão vistos aqui como “fenômenos” sociais. Se a academia demorou a render-se aos estudos do íntimo, teremos a cumplicidade e a coragem de sensibilizar-nos às transformações da mente através da história.
O tempo e a fala (do falo) são cúmplices dos desejos, do consumo e das curiosidades. Talvez não seja tão desconcertante assim falar da intimidade e do afeto. Pasini (1996) chega a defendê-la como algo para além do sexo. Perceberemos grandes metrópoles (ou não) que os discursos prontos acerca do corpo-biologia se afastaram da relação mente-sexualidade.
Na grande crise das identidades, vindas para tentar resolver o interminável problema das “categorias” de gênero, agora demonstram curiosa perda de vitalidade. Ainda estamos no prelo para que novas interpretações epistemológicas apareçam na simples idéia de aftividade. O desejo deve ser entendido do ponto de vista da história da intimidade. O afeto torna-se o conjunto complexo e operador de todo essas vivências sociais. “Na ciência, a pertinência das explicações sobre fenômenos estritamente delimitados se liga ao âmbito das condições definidas para a investigação e dificilmente permite a compreensão de fenômenos que estão no limite das condições definidas ou que as ultrapassam (ALMEIDA, 2004-2005, p.137)”.
Mas em toda essa delonga, onde se encontra o território dos afetos, da intimidade? Falamos há pouco da comercialização. Sim, determinados espaços de sociabilidade ainda são relegados ao risco social.
As prostitutas tornaram-se profissionais do sexo e foram inseridas nas Ciências Sociais como grande novidade. Hoje se atribui caracteres culturais reinterpretando o uso dos prazeres por essas mulheres na vida contemporânea. Em determinadas situações, essa válvula de escape sexual adquire conduta terapêutica por parte de quem as usa.
Os reflexos de um lar em contínua crise, estimula novos mecanismos de se ter intimidade nos prazeres da vida. Surgem as novas afetividades – ora guardadas ou recalcadas em nós mesmas (os) – , e a necessidade afirmativa das neo-afetividades se faz presente, como atesta Giddens (1994), na chamada crise das tradições.
Agora, com uma simbologia feminina colocada a primeiro plano, o macho em crise e as novas possibilidades surgidas no campo da experimentação erótica, afetiva, a intimidade torna-se não mais uma coadjuvante impertinente aos “notáveis” desdobramentos e descobertas da ciência, mas motivo urgente de questionarmos o modelo ocidental de vontade imposta ao longo de milênios, a manipulação de seu uso, contrastando com a plasticidade de nossa época.
Resta-nos começar a repensar os valores a qual estamos transformando e expondo no século XXI. Práticas só agora notadas e relevadas nos obrigam a projetar um novo modelo para a educação humana sobre os estudos de sexualidades, gêneros em suas devidas intimidades e afetividades.
O caminho pode ser árduo, mas necessário, no sentido de novas lutas culturais afirmativas – como por exemplo não privar os instintos humanos de suas necessidades particulares aos olhos da “conduta padrão”. Isso também significa falar e buscar a tão sonhada felicidade em nosso íntimo.
Referências
Almeida, Maria da Conceição de (2004-05), “Novos contextos das Ciências Sociais”, Cronos – Revista do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), vol. 5-6, nº1-2, Jan-Dez.
Foucault, Michel (1993), História da sexualidade. (vol.1): A vontade do saber. Rio de Janeiro: Graal.
Giddens, Anthony (1994), As transformações da intimidade. São Paulo: Editora UNESP.
_______ (1991), As consequências da modernidade. São Paulo: Editora UNESP.
Hall, Stuart (2001), A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A.
Maffesoli, Michel (2007), “Homossocialidade: da identidade às identificações”, Bagoas, Estudos Gays – Gêneros e Sexualidades. Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, vol.1, nº1, Jul-Dez.
Mott, Luiz (2007), “Antropologia, teoria da sexualidade e direitos humanos dos homoafetivos”, Bagoas, Estudos Gays – Gêneros e Sexualidades. Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, vol.1, nº1, Jul-Dez.
Pasini, Willy (1996), Intimidade, muito além do amor e do sexo. Rio de Janeiro: Rocco.
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