Você achou mesmo que Cena do Interior II (óleo sobre tela, 120 x 100 cm, 1994. Disponível em: <http://www.adrianavarejao.net/pt-br/cena-de-interior-ii>. Acesso em 11 set. 2017) de Adriana Varejão é repugnante e imoral por "fazer apologia" de zoofilia?
Vamos perder alguns minutos na tentativa de fazer uma utilidade pública. Em se tratando de Arte,
- Nunca "recorte" uma pequena parte de uma obra: veja-a em sua totalidade e sempre contextualize;
- Conheça, de preferência, o conjunto da obra de um artista para formar uma pequena ideia do que ele costuma tratar;
- "Gosto" não é parâmetro de avaliação. Se você 'gosta' ou 'desgosta' de algo, esse problema é apenas SEU (e não do artista);
- Um discurso imagético não se trata sempre de uma "apologia": pode ser exatamente o contrário disso (denúncia/crítica) ou, simplesmente, um reflexo da realidade;
- Uma das funções da Arte é provocar REFLEXÃO. Para isto, o artista pode se valer de muitos artifícios (incomodar, por exemplo, é muito comum);
- O "belo" é altamente relativo... ...e a lista de 'dicas' é enorme, tá? E vale ressaltar: NÃO sou especialista ou crítico de Arte. Mas mesmo que você NÃO goste, Adriana Varejão é uma das artistas visuais brasileiras mais bem conceituadas por, justamente, denunciar signicamente através de sua arte - um dispositivo de representação - a violência em processos de assimilação cultural, principalmente através de colonização.
Paulo Herkenhoff (apud ZENARO, 2012), ex-diretor cultural do MAR (Museu de Arte do Rio), explica:
Adriana Varejão se detém em questões como a patologia do Barroco, a presença de um longo processo de influência da China na cultura brasileira e os traumas do processo de expansões colonial e dos encontros consequentes aos descobrimentos, como a uma tendência unicificante do mundo [...]. O que era esquecimento e opacidade na história se torna visível. A cartografia agora é violência. O processo de presentificação do passado é uma nova transparência. Esse é o seu nível sutil de politização da arte, distante da vassalagem ideológica. Cada tela é uma produção de evidências, no agenciamento da história.
E, mais importante ainda, concordando com Herkenhoff (apud ZENAR, 2012):
[...] A obra de Varejão trata da interação de planos de representação: a história da arte serve para rever criticamente a pretensa totalidade da história que molda e é moldada pela arte.
Pesquisa, gente. Adriana Varejão é "bafônica". A arte de Varejão num é "safadeza" ou "zoofilia": ela, politicamente, quer é que a gente reflita e nunca esqueça que a colonização não foi um processo "bacaninha" que foi realizado somente por gente "do bem". O tal "povo brasileiro" - eu e você, nós todos - somos todos descendentes de vítimas de um violento processo de assimilação cultural.
E Varejão é também brasileira. Varejão nos representa, em especial, na exposição "Queermuseu: cartografias da diferença na arte brasileira" em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, promovida pelo Santander Cultural, com a obra "Cenas do Interior II" (1994). Infelizmente, a exposição foi cancelada por protestos tanto na instituição quanto nas redes sociais (Vide <https://extra.globo.com/tv-e-lazer/santander-cultural-cancela-exposicao-queermuseu-cartografias-da-diferenca-na-arte-brasileira-21807796.html>. Acesso em 11 set. 2017).
Sobre esta questão, Varejão - ela mesma - de maneira interessante e aparentemente profética, parece estar ciente de que a arte é refém do mercado e de instituições. Já em 2009, a artista fala, em entrevista para a dissertação de mestrado de Fátima Cerqueira (2009, p. 161-162), o seguinte:
E Varejão é também brasileira. Varejão nos representa, em especial, na exposição "Queermuseu: cartografias da diferença na arte brasileira" em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, promovida pelo Santander Cultural, com a obra "Cenas do Interior II" (1994). Infelizmente, a exposição foi cancelada por protestos tanto na instituição quanto nas redes sociais (Vide <https://extra.globo.com/tv-e-lazer/santander-cultural-cancela-exposicao-queermuseu-cartografias-da-diferenca-na-arte-brasileira-21807796.html>. Acesso em 11 set. 2017).
Sobre esta questão, Varejão - ela mesma - de maneira interessante e aparentemente profética, parece estar ciente de que a arte é refém do mercado e de instituições. Já em 2009, a artista fala, em entrevista para a dissertação de mestrado de Fátima Cerqueira (2009, p. 161-162), o seguinte:
[...] Então, eu me sinto um pouco anacrônica, o tempo todo, eu tenho um complexo danado, porque é super marginal pintar. É assim, eu não sou prestigiada por... são pouquíssimos curadores que prestigiam, principalmente os ligados às instituições. A pintura vira uma arte muito voltada pro mercado. Tudo bem que você está presente em galerias importantes, em coleções importantes, porque todo mundo prefere comprar a pintura ainda. Mas em termos institucionais e de curadoria, de curadores e instituições, esse prestígio é muito pouco atualmente da pintura.
Diante da importância política da obra de Adriana Varejão, sabe o que é repugnante e imoral? O discurso reacionário estúpido e acrítico vigente, que impregna e repercute midiaticamente e que, consequentemente, emergirá em sucessivas gerações.
Por Arthur Marques. 11/09/2017.
REFERÊNCIAS:
CERQUEIRA, Fátima Nader Simões. Memória e persuasão na pintura de Adriana Varejão. Dissertação de mestrado. Programa de Pós-graduação em artes, Centro de Artes da Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória-ES, 2009. 174 f. Disponível em: <http://portais4.ufes.br/posgrad/teses/tese_3576_disserta%E7%E3o%20MESTRADO.pdf>.
Website de Adriana Varejão. Disponível em: <http://www.adrianavarejao.net/pt-br/category/categoria/pinturas-series>. Acesso em 11 set. 2017.
CERQUEIRA, Fátima Nader Simões. Memória e persuasão na pintura de Adriana Varejão. Dissertação de mestrado. Programa de Pós-graduação em artes, Centro de Artes da Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória-ES, 2009. 174 f. Disponível em: <http://portais4.ufes.br/posgrad/teses/tese_3576_disserta%E7%E3o%20MESTRADO.pdf>.
Website de Adriana Varejão. Disponível em: <http://www.adrianavarejao.net/pt-br/category/categoria/pinturas-series>. Acesso em 11 set. 2017.
ZENARO, Mariana. Adriana Varejão: Mares, vísceras e novas narrativas de nossa história. Postado em 24 de novembro de 2012. Disponível em: <https://revistacontemporartes.blogspot.com.br/2012/11/artes-plasticas-nao-e-questao-de-talento.html?m=1>. Acesso em: 11 set.2017.
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