Palestra para a Formação do Departamento da Sessão de Bandas Escolares da Prefeitura Municipal de João Pessoa – PB, ministrada em 06 (seis) de agosto de 2021, das 13 às 15 horas, no auditório do Centro Administrativo. Registro a presença da Secretária da Educação, Profª América Castro, Coordenador Geral Aramis Lins Barreto Filho, Coordenador Pedagógico Rômulo Albuquerque, os Membros da Comissão de Dança: Karol Balystar, Sérgio Lucena, José Emiliano e a cerimonialista, profª Antonieta Soares.
Figura 1: Print screen |
Quinta-feira, dezesseis horas e cinquenta e cinco minutos. Ops. Agora, cinquenta e oito minutos: No minuto anterior fiz um print screen para você não duvidar da performatividade desta escrita. Estou ansioso e um pouco preocupado – o que não é novidade para quem me conhece: ansiedade me acompanha à tiracolo, desde sempre. Mas chega a ser algo patológico e, a depender da situação, o efeito dos antiansiolíticos quase são neutros. Sinto dor na mandíbula de tanto ranger os dentes. E meus quase quarenta e seis anos de idade – sou virginiano do dia vinte e nove de agosto – ainda não me deram a maturidade de ter calma em véspera de situação de apresentação pública
.
Eu ando pelo mundo prestando atenção
Em cores que eu não sei o nome
Cores de Almodóvar
Cores de Frida Kahlo, cores
Passeio pelo escuro
Eu presto muita atenção no que meu irmão ouve
E como uma segunda pele, um calo, uma casca
Uma cápsula protetora, ah!
Eu quero chegar antes
Pra sinalizar o estar de cada coisa
Filtrar seus graus
Eu ando pelo mundo divertindo gente
Chorando ao telefone
E vendo doer a fome
Dos meninos que têm fome
Pela janela do quarto, pela janela
do carro
Pela tela, pela janela (quem é ela, quem é ela?)
Eu vejo tudo enquadrado, remoto controle
Eu ando pelo mundo
E os automóveis correm para quê?
As crianças correm para onde?
Transito entre dois lados de um lado
Eu gosto de opostos
Exponho o meu modo, me mostro
Eu canto pra quem?
Eu ando pelo mundo e meus amigos,
cadê?
Minha alegria, meu cansaço?
Meu amor, cadê você?
Eu acordei, não tem ninguém ao lado [1]
Acabei de notar que as mãos estão suadas.
Tentei ao longo dos anos, como professor, minimizar a questão da ansiedade, partilhando com as pessoas o modo como me sinto, sou e estou, em busca de um laço de afetividade e de identificação nas situações tenho que ministrar uma aula ou colaborar com uma palestra, entrevista, enfim, em situações em que sou instado a me posicionar e me tornar visível. Tento achar identificação com quem me escuta e acredito que escutar, abrindo o diálogo, é um exercício de troca de experiências que sempre promove o aprendizado, quando acontece, simultaneamente, o reconhecimento de lugares de proximidade.
Respiro
fundo: Elevo os ombros – contraio e solto junto com a expiração. Isso ajuda um
pouco. Mas a minha cadeira nova tem um encosto péssimo. Penso que a vida em
modo de “remoto controle” – outra vez, lembro de Adriana Calcanhoto, - tem
tornado os modos presenciais um novo desafio. Passei tanto tempo me ajustando
corporalmente ao modo remoto – e, quando digo “corporalmente” me refiro a corpo
e mente como inextrincáveis –, que fico aflito com a ideia de estar com pessoas
em um mesmo ambiente, mesmo seguindo protocolos de controle e segurança com
relação à pandemia do Covid-19.
A
pandemia é uma das razões da ansiedade aumentada. A outra, a perda do hábito de
uma situação presencial de falar sobre a dança: uma paixão e, ao mesmo tempo,
uma arte que me acompanha e me transforma desde criança. É sobre falar de algo
que eu amo e estudo que a ansiedade e as lembranças agora me fazem chorar de
emoção.
Figura 2: Nika |
Vejo a Nika (minha pequena cadela da raça Schnauzer) confortável, deitada no sofá atrás de mim. Imediatamente, lembro que, principalmente, em modos remotos de existência, é preciso saber pausar e compreender o tempo de cada corpo, encontrar lugares possíveis de agir mesmo na necessária rigidez das normas, cobranças, protocolos. É preciso achar conforto, trabalhando dentro das possibilidades: em quaisquer que sejam os ambientes.
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Figura 3: Janela. 20h31min |
Acho que transito por ambientes de ensino da dança como por mundos aparentemente diferentes e desconexos. Acredito que a força das práticas está no diálogo constante com as teorias e vice-versa. Em se tratando de fazer dança – criar ou ensinar – cada ambiente demanda a compreensão do artista-docente de que são diferentes as danças, são diferentes as pessoas e os objetivos que elas buscam.
Talvez
seja importante agora, prezada/prezade/prezado artista-docente/coreógrafo(a)-professor(a)[2], partilhar algumas
questões que trago para refletir com você:

Divido essas questões em tópicos para me organizar no que eu acho relevante dividir com você – sempre “eu”, né? Espera. Deixa explicar direito: De repente, eu estou achando que algo que é importante pra mim pode ser importante para você também... É um “achismo”, ou seja, posso estar errado.
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Figura 4: Pausa pra jantar |
1. Que dança é essa? Prática artística e pedagógica
Gosto de considerar o plural: DANÇAS.
Não há uma dança, assim como a forma de ensinar e criar não são únicas. Existem FORMAS ou MANEIRAS de ensinar e FORMAS ou MANEIRAS de criar. Existem danças que são ou estão “enquadradas” em “estilos” – como dança do ventre, xaxado, samba, balé clássico. E alguns estilos têm subgrupos, como, por exemplo as chamadas “danças de salão”. São muitas e de vários estilos, embora haja um aspecto que junta - ou “enquadra” - elas num mesmo grupo: o fato de que sejam sempre dançadas por um par de pessoas. Ou seja: o padrão das danças de salão é a dança em par.

Brincar de dançar é sempre uma forma de estimular o aprendizado de uma dança – ou de algumas danças. Se você é um artista-docente da dança, provavelmente, brincou – ou ainda brinca – de dançar.
Algumas
danças têm padrões de movimento que precisam de ser repetidos, treinados. E o
corpo, a partir da repetição de um movimento através do treino, aprende. Ou
seja: o treino pode ser entendido como a construção de um hábito. Algumas
danças demandam, por razões estéticas e funcionais, um treino mais habitual que
outras. E cada corpo tem afinidade para algumas danças que outras, embora o
treino possa transformar qualquer dança possível. Mas há de se lembrar que os
corpos são diferentes, assim como as danças.
Imitar não é fazer igual: é organizar a informação do modo que um corpo pode. O movimento de um corpo nunca é igual ao de outro: pode parecer, mas nunca é idêntico. Ainda, um movimento, realizado uma vez, não consegue ser repetido “do mesmo jeito”: há alguma diferença, perceptível ou não. Isto porque, a cada repetição, o movimento se especializa. Se o movimento repetido fosse sempre igual, não haveria lógica alguma no treino. Treinar é especializar o movimento.
São vinte e três horas e cinco minutos. Estou exausto e minhas costas estão muito doloridas: tenho quatro protusões discais. Passei muito tempo lendo e digitando. Meus olhos ardem. Tenho o hábito de sempre pisar em uma bola de tênis para massagear a musculatura dos pés. Isso me ajuda a relaxar.
Quando eu estava em processo de formação, residindo no Rio de Janeiro, eu fazia aulas de balé, jazz e dança moderna diariamente, às vezes, até três aulas por dia, cada qual com cerca de uma hora e meia a duas horas de duração.
Nessa época, na década de 1990, eu achava que imitar era fazer igual. Os astrólogos dizem que virginianos têm mania de perfeição. Eu não creio em astrologia porque não faz sentido para mim. Mas algo fazia sentido para mim, naqueles tempos: eu sempre quis receber elogio do meu professor de dança, e, para isso, buscava repetir o movimento que ele demonstrava – e não o movimento do jeito que meu corpo podia fazer naquele momento.
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Figura 5: Meus calcanhares |
Aprendi, nesses tempos de pandemia e de ensino remoto, que preciso dormir bem. Fechar os olhos. Prefiro dormir e acordar cedo para continuar com a segunda questão, antes de dormir, preciso da minha bola de tênis. Preciso alongar meu corpo e colocar gelo no calcanhar do pé esquerdo, que quase rompi por trabalhar por anos muitos anos em salas que não tinham chão com preparo específico para a prática de saltos. Tenho uma calcificação no osso calcâneo – um “esporão” – que dói muito e me faz mancar um pouco, às vezes. As protusões discais e o esporão motivaram a busca por outros modos de trabalhar com dança, mas, infelizmente, tive que encerrar a carreira como bailarino no ano de 2012, aos trinta e oito anos.
Há aprendizados que vêm com a dor. Aprendi, com as minhas dores, que só posso ensinar dança do modo adequado se as condições forem adequadas. Aprendi, com minhas dores, que não posso exigir que o movimento de outro corpo seja igual ao meu – nem posso querer que meu movimento seja idêntico, pois isso é uma impossibilidade, considerando os aspectos cognitivos e neuromotores. Aprendi, com minhas dores, a respeitar o meu corpo. E a respeitar os corpos dos outros, que são diversos e, cada qual, muito especial. Cada corpo tem sua dança, mesmo dançando em sincronia com outros. E se todo movimento repetido já é outro, toda dança é nova, mesmo quando reapresentada.
Zzzzzzz...
2. Onde a dança acontece? Os ambientes de ensino da dança:
Características e objetivos
Acordei
e dei um pulo da cama. Nika me olha assustada. Dou um “bom dia” apressado para
a Mônica – a diarista que estava passando o pano no corredor. Escova de dentes
na mão, caneca de café com leite no microondas. Pi-pi-pi: Aqueceu. Mas,
certamente, eu já estou mais aquecido do que a caneca: desde o pulo, penso mil
coisas, ao mesmo tempo: não terminei o texto da palestra - como vou conseguir
comprar o adaptador de mini-Hdmi para VGA-Hdmi para o retro-projetor? – quanto
tempo ainda tenho – cancelar a terapia de hoje – espetáculo online de Isabel
Marques 20h30min – que horas vou no supermercado? – será que meu computador vai
funcionar direito? – será que vai dar tempo de almoçar? - será que...
...Em
frente à estante, pego alguns livros. Começo a me organizar. Vou tentar
conversar com outros colegas professores-pesquisadores, para me ajudarem nesse
trabalho de definição.
A educação é distinta em três tipos[3]. Sejam eles:
FORMAL: A educação que se recebe no sistema escolar;
NÃO-FORMAL: “toda atividade organizada, sistemática, educativa, realizada fora do marco do sistema oficial, para facilitar determinados tipos de aprendizagem a subgrupos específicos da população, tanto adultos como infantis”;
INFORMAL: “um processo, que dura a vida inteira, em que as pessoas adquirem e acumulam conhecimentos, habilidades, atitudes e modos de discernimento por meio das experiências diárias e de sua relação com o meio".
Que aspecto diferencia esses tipos de educação? Vamos, aqui, considerar o critério da intenção. De acordo com este critério, “[...] todos os processos intencionalmente educacionais entrariam na coluna do formal e não-formal, e, por conseguinte, os não intencionais ficariam na do informal”[4]. Mas será que a educação, por exemplo, dos pais – situada no âmbito da educação informal - não desenvolve uma ação educativa com intenção de educar?
Outro
aspecto que se pode considerar é o critério metódico ou sistemático: enquanto o
ensino não formal e formal é metódico e sistematizado, a educação informal é
assistemática. Entretanto, vale pensar essas questões: “[...] os meios de
comunicação de massa nos bombardeiam sistematicamente com seus valores
(contravalores)?; não há método na publicidade?; não cabe falar em métodos de
educação familiar?” [5].
Meu coração dispara. Profª Antonieta Soares – a cerimonialista – já “botando pressão”. Vou agilizar aqui. Vou logo chamar a referência aqui... Veja a Figura 6:
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Figura 6: GHANEM, Elie; TRILLA, Jaume; ARANTES, Valéria Amorim (Orgs.). Educação formal e não-formal. São Paulo, Summus Editorial, 2008. p. 37 |
Penso que esses modos de diferenciar os tipos de educação importam, justamente, para atentarmos que existem formas e maneiras de dançar e se ensinar dança. Cada ambiente de ensino informa uma sistematização do ensino da dança, uma metodologia de ensino da dança, que tem a com a intenção do professor – no caso, aqui, com a sua intenção de ensino, sua intenção de educar, coreógrafe/coreógrafa/coreógrafo-professer/professora/professor.

3. Como se cria e se ensina a dança? Os ambientes e seus objetivos: Aproximações metodológicas
...Penso que você,
coreógrafe/coreógrafa/coreógrafo-professer/professora/professor, tem a intenção
de educar. Você, assim como eu, sempre
está pensando em modos de organizar tanto suas aulas quanto seus ensaios e
coreografias. Posso dizer, de uma forma suscinta, que uma metodologia é um modo
de organizar e realizar um trabalho por etapas, a fim de cumprir um objetivo. Nós
temos sempre, no cotidiano, de realizar tarefas, seja em casa e/ou no trabalho.
Cada pessoa tem um jeito de organizar uma tarefa: para vestir uma calça, você
segura a calça e, geralmente, enfia qual pé primeiro - o pé esquerdo ou o pé
direito? Para subir uma escada, geralmente você dá o primeiro passo com o pé
esquerdo ou o pé direito?
Por que isso importa? Importa, aqui,
para eu conectar a última ideia que gostaria de partilhar com você:
Os
modos de organizar uma aula, um ensaio ou uma coreografia por um coreógrafo-professor
também derivam de seus hábitos.
Há hábitos que você “carrega” quando organiza
um trabalho de dança. Por exemplo, em geral, quando o coreógrafo-professor tem
uma perna mais flexível que outra, é esta que se torna a perna de um lançamento
de perna – ou, na terminologia do balé clássico, um grand-battemént.
Quando um coreógrafo tem mais facilidade para girar ou fazer piruetas – pirouettes
– para uma direção, é, em geral, esta direção que ele explora
coreograficamente. Digo isso porque, em geral, toma-se como pressuposto para o
ensino da dança o corpo demonstrativo[6] do professor.
A partir de tudo o que eu disse, atentando para os modos de ensino que devem ter o educando/aluno como protagonista,
João Pessoa, 06 de
agosto de 2021.
Prof. Dr. Arthur Marques
Departamento de Artes Cênicas
Centro de Comunicação, Turismo e Artes
Universidade Federal da Paraíba
Instagram: @artmaralnet
[1] Letra da música “Esquadros”,
interpretada e composta por Adriana da Cunha Calcanhotto. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=leL7KSkm97M . Acesso em 05 ago.2021.
[2]
O termo “coreógrafo-professor” é utilizado a partir pela Profª. Dayse Pereira
da Silva Torres, em “Coreógrafos de
bandas marciais estudantis: Artistas ou professores[?]” (2018) e por Profª.
Annyelle Carolina dos Santos Gomes, em “Ensino de dança para balizas de bandas
marciais estudantis no município de João Pessoa – PB” (2019), trabalhos
monográficos apresentados como Trabalho de Conclusão de Curso de Licenciatura
em Dança do Departamento de Artes Cênicas da UFPB, sob minha orientação.
[3] COOMBS,
P. H., 1975, p. 27 apud GHANEM, Elie; TRILLA, Jaume; ARANTES, Valéria Amorim
(Orgs.). Educação formal e não-formal. São Paulo, Summus Editorial, 2008. p. 32-33.
[4] GHANEM;
TRILLA; ARANTES, 2008, p. 37.
[5] Id.
Loc. Cit.
[6] A expressão “corpo demonstrativo” é cunhada por Susan Foster em “Dancing Bodies”, in: CRARY, Jonathan et al. (Org.). Incorporation. New York: Urzone, 1992.
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